quinta-feira, 30 de maio de 2019

Rusga: matança de portugueses na capital





Movimento nativista, hostil aos portugueses, também chamados adotivos, surgido com a abdicação de D. Pedro I, atinge o seu ponto máximo de ebulição em Cuiabá e várias cidades do Estado na noite de 30 de maio de 1834:

Pelas ruas até então silenciosas de Cuiabá, propaga-se a anarquia desenfreada, em berreiro macabramente capadoçal, a que se misturavam o sinal de alarma, o estrondo de portas e janelas, que se arrombam a golpes de alavancas e coices de armas, o hino da desordem, os tiros e as deprecações das vítimas.
Rapidamente se espalhou a notícia dos primeiros assassínios e danos materiais causados aos inimigos.


A nevrose arruaceira cedo atingiu ao paroxismo, ganhando alento nas lojas entregues ao saque onde se embebedava a soldadesca viciada.
O atentado inicial contra os adotivos, degenerava em desordem mais grave, a cujos golpes não se forravam os maiores personagens de Cuiabá
¹.


Jornal do Rio de Janeiro da detalhes do episódio, no seguinte editorial:

Perseguir a tirania portuguesa é unânime opinião brasileira, e com tais fins se erigiu nesta cidade do Cuiabá uma Sociedade, cujo timbre, já malicioso é - Zelosa da Independência do Cuiabá! - A ela se uniram honrados e incautos cidadãos;porém dirigindo seus trabalhos sedentes monstros de figura humana em secretas sessões traçaram os negredados planos que postos em prática enlutaram esta infeliz cidade. No dia 30 de maio pp. reunidos no Campo do Ourique os chefes e satélites de tão infernal associação, a título de guardas nacionais, combinados com Sebastião Rodrigues da Costa então no quartel da cidade, retiveram neste até as 10 horas da noite a patrulha que de ordem do juiz de paz devia rondar a cidade; a essa hora vendo esses celerados que seus planos não podiam falhar, fazem tocar a rebate, a saque e a degola: aterrado o povo com tais toques, e com o horror da noite, buscava um centro para unir-se e não o achava, pois infelizmente o governo estava inteiramente coacto, e pérfidos conselhos chefes da anarquia, ladeavam o vice-presidente João Poupino Caldas, que cheio de amargura viu praticar essa horda de bárbaros as maiores atrocidades espezinhando a Constituição e os mais sagrados e invioláveis direitos que unem os brasileiros em associação civil. Soltam-se os facinorosos presos das cadeias e com eles as horrorosas vozes de morte aos adotivos, cujas casas são arrombadas e barbaramente assassinados quantos são encontrados, no seio de suas pacíficas famílias, e só se ouviam por todos os lados da cidade dispersos tiros e horrorosa carnificina. Debalde procurou o vice-presidente unido ao Ex. Bispo, acomodar os faciosos, porque estes longe de atenderem a estas respeitáveis autoridades, as insultaram e tudo se julgou então perdido. Foram assassinados nesta noite três adotivos e no seguinte dia um brasileiro nato, aos quais ainda vivos lhes foram cortadas as orelhas e partes genitais, atravessados os ouvidos com baionetas e lançado fogo sobre seus agonizantes cadáveres, que arrastaram à rua; tais martírios sofreu o capitão João Cardoso de Carvalho, que depois se confessou a pode ainda despedir-se de sua infeliz mulher e inocentes filhos, sendo a sua casa assim como de todos os adotivos sujeitas ao mais terrível saque e reduzidas suas tristes famílias à mais apurada indigência. Senhores das armas e do quartel esses tiranos faziam sair escoltas à custa dos dinheiros nacionais atrás do miseráveis que fugiam e dos que sendo lavradores moravam em suas fazendas, onde além de sacrificarem a seus brutais apetites as desgraçadas esposas e filhas à vista de seus maridos e pais, que assim desonrados receberam por fim crudelíssima morte e suas orelhas eram conduzidas ao quartel onde se recebiam em grande aplauso, chegando a tal excesso a ferocidade desses bárbaros que assavam e comiam essas orelhas, mofando assim dos homens e zombando da justiça divina. Ainda aqui não param as barbaridades, obrigam as viúvas desses mártires e enramarem a frente de suas saqueadas casas, e iluminarem suas portas de janelas, em sinal de aplauso de sua indigente viuvez e priva-se-lhe o luto, e para cúmulo de horror até lhes é vedado a dar sepultura aos tristes restos de seus inocentes e desditosos esposos; a pena recusa escrever tantos horrores e o coração se oprime de aflitiva dor; porém é necessário arrematar este fúnebre mas verdadeiro quadro. Ao tenente coronel José Antonio de Lima e Abreu que fugia e foi alcançado por uma das escoltas depois de sofrer afrontosa morte pois foi sangrado como um porco, abrem-lhe a barriga e tiram as banhas com que untou o famigerado Euzébio Luiz de Brito o lombo de seu cavalo para matar o piolho. Oh! monstro fúria do inferno; nada temem esses esfaimados tigres; porém aqui não para ainda a perversidade destas feras, que arrogando a si o poder de matar e perdoar dão perdões a infelizes septuagenários a peso de ouro. Chegou enfim o momento de tocar o maior dos crimes dos canibais; chegou enfim! o sangue se gela oh! perversidade! Oh! Crime dos crimes; foram todos estes horrendos atentados praticados em o Sagrado Nome da Exma. Regência que em nome do Nosso Amado e Inocente Imperador, feliz e sabiamente nos rege: foi assim que esses antropófagos profanaram os mais caros penhores da nação brasileira; sua punição pois deverá servir de exemplo ao mundo inteiro. Tocados ligeiramente os acontecimentos até a época em que o honrado vice-presidente coronel João Poupino Caldas se apoderou das armas e do quartel, só resta dizer que a não ser a resolução deste ilustre patriota, não tomaria posse o exmo. presidente e as cenas de horror e barbaridades continuariam até hoje, que graças a Divina Providência e as sábias e enérgicas medidas que se tem tomado, gozamos felizmente de alguma tranquilidade, e esta de todo se restabelecerá se a exma. regência lançar sobre esta infeliz província olhos de sublime piedade.²

Em 1867, Taunay conheceu em Miranda, Alexandre Manuel de Souza, o Patová, que dirigira “a 30 de maio de 1834, em Miranda, a célebre matança dos portugueses, pelo que fora constrangido a fugir para os lados de Camapuã e Corredor (no sertão entre aquele ponto e Santana do Paranaíba) e lá ficou 30 anos homiziado”.³

FONTE: ¹ Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, XXIV. Página 14; ²Jornal O defensor da legalidade (RJ) 23 de janeiro de 1835,  ³Taunay, Em Mato Grosso invadido, Edições Melhoramentos, SP, sd. Página 34.
FOTO: Poupino Caldas, no governo, na noite da Rusga.

Força brasileira deixa Uberaba

4 de setembro de 1865 Para dar combate ao Paraguai, cujas forças em dezembro de 1864 invadiram o Sul de Mato Grosso, paulistas e min...