sábado, 12 de janeiro de 2019

Chega o primeiro governador de Mato Grosso





Pela rota das águas (Tietê, Paraná, Pardo, Coxim, Taquari, Paraguai, São Lourenço e Cuiabá), chega a Cuiabá, em 12 de janeiro de 1751, Dom Antonio Rolim de Moura Tavares, primeiro governador e capitão-geral da recém criada capitania de Mato Grosso. Com ele vieram o juiz de fora dr. Teotônio da Silva Gusmão, jesuítas Agostinho Laurenço e Estevão de Castro, uma companhia de dragões com 45 praças, secretário Bartolomeu Descalça e Barros e ajudantes de ordem.

Na carta instrutiva que trazia de Lisboa, destacam-se os seguintes pontos:

1° - Que se ponha a cabeça do governo no distrito de Mato Grosso, onde deverá fazer residência mais continuada, indo contudo a Cuiabá e às outras minas, quando assim o pedir o bem do serviço e utilidade dos moradores.

2º - Referem-se à criação de uma companhia de Dragões e à ereção do juiz de fora, bem como aos privilégios que deveriam ser concedidos para promover o povoamento da capital.

3º - Recomenda a escolha do lugar em que deveria fundar a Capital, atendendo que seja defensável e, quanto possível, vizinho do rio Guaporé, ou de algum outro navegável, que nele deságue.

7º - Autoriza a construção de uma nova casa para residência dos governadores.






FONTE: Estevão de Mendonça, Datas Matogrossenses, (2a. edição), Governo de Mato Grosso, 1973, página 37.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Intervenção federal






Com o fim da Caetanada, como ficou conhecido o movimento armado entre a oposição e o governo do presidente Caetano de Albuquerque, a renúncia deste e de todos os deputados estaduais, o presidente da República, Wenceslau Braz, decreta em 10 de janeiro de 1917, a intervenção no Estado e nomeia interinamente para interventor o bacharel Camilo Soares de Moura Filho (foto). A medida vigoraria até o ano seguinte quando, por consenso de todos os partidos, é eleito como candidato único, o bispo de Cuiabá, dom Aquino Correia para um governo de conciliação.

O decreto de intervenção na íntegra:

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil:

Considerando que o Poder Executivo no Estado de Mato Grosso deve ser exercido por um cidadão com título de Presidente;

Considerando que em caso de renúncia deste, assumirá o governo o 1°, 2° ou 3° Vice-Presidente, e se os três houverem também renunciado, serão sucessivamente chamados ao Governo do Estado o presidente da Assembleia Legislativa e o Presidente da Câmara Municipal da Capital;

Considerando que se acham vagos não só os lugares de presidente e vices-presidentes do Estado, como também os de deputados à Assembleia Legislativa e de presidente da Câmara Municipal de Cuiabá, e todos pedirem a intervenção federal;

Considerando que é caso de intervir no Estado o Executivo Federal, afim de por termo à acefalia política e administrativa e eleger novos detendores do Poder Legislativo e do Executivo; 

Considerando que as renúncias do presidente e respectivos substitutos legais se tornaram efetivas exatamente para dar lugar à intervenção federal dos novos presidente, vice-presidentes e deputados;

Considerando que a desordem ainda campeia naquela parte da federação e urge restabelecer ali o império da lei;

Resolve intervir no Estado de Mato Grosso de acordo com o art. 6°, ns. 2 e 3 da Constituição da República, nomeando para representá-lo nesse ato de exercício da autoridade federal o bacharel Camilo Soares de Moura Filho, que prorrogará o orçamento da receita e da despesa vigente em 1916, terá vencimento mensal de três contos de réis, pagos pelos cofres estaduais, e observará as instruções expedidas em meu nome, pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores. Rio de Janeiro, 10 de janeiro de mil novecentos e dezessete, nonagésimo cesto a Independência e vigésimo nono da República - Wenceslau Braz P. Gomes. - Carlos Maximiliano Pereira dos Santos.²  

 
FONTE: ¹Estevão de Mendonça, Datas Matogrossenses, (2a. edição), edição do autor, Cuiabá, 1973, página 34. ²Rubens de Mendonça, História do Poder Legislativo de Mato Grosso, Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Cuiabá, 1967, página 110

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Mato Grosso declara guerra




Coimbra, palco da primeira batalha da guerra do Paraguai


O brigadeiro Alexandre Manoel Albino de Carvalho, que governava a província de Mato Grosso quando estourou a guerra do Paraguai, em 9 de janeiro de 1865, dirige ao povo a seguinte proclamação:

Matogrossenses! A injustificável ameaça do Governo da República do Paraguai, feita ao Império em sua nota 30 de agosto do ano passado, está consumada. Em 27 de dezembro findo uma expedição paraguaia, composta de numerosos navios a vapor e a vela com cerca de 5000 homens, acometeu o forte de Nova Coimbra e intimou ao comandante tenente-coronel Hermenegildo de Albuquerque Porto Carreiro a sua entrega dentro do prazo de uma hora, ficando em tal caso a guarnição sujeita à sorte das armas.

Contra tão desleal agressão protestaram energicamente as guarnições do forte de Nova Coimbra e do vapor Anhambaí, seu auxiliar, composta de menos de 200 homens.
Esse protesto ficará na história, escrito pelas armas imperiais, tintas de sangue de centenas de agressores, sangue dos que foram mortos e mutilados, durante dois dias de renhido combate.

Foi um protesto solene e glorioso!

Mato-grossenses, às armas! E com elas em punho, rivalizai com os valentes soldados da Nova Coimbra e com os intrépidos marinheiros da Anhambaí. Viva o Imperador! Viva a integridade do Império!


FONTE: Jorge Maia, A invasão de Mato Grosso, Biblioteca do Exército Editora, Rio, 1964, página 214.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Rondon é graduado em engenharia e ciências


O alferes Cândido Mariano da Silva Rondon recebe da Escola Militar do Rio de Janeiro em 8 de janeiro de 1890, o título de engenheiro militar e o diploma de bacharel em Matemática e Ciências Físicas e Naturais. 55 dias antes, por influência e sob as ordens de seu superior Benjamin Constant, participou da proclamação de República como estafeta do exército.

Órfão de pai (que não chegou a conhecer) e mãe (falecida dois anos e meio depois de seu nascimento) aos sete anos, em 1873, deixou Mimoso e mudou-se para Cuiabá, onde passou a ser criado por seu tio, Manoel Rodrigues da Silva. Iniciou seus estudos no mesmo ano, na escola particular de Mestre Cruz. No ano seguinte matriculou-se na escola pública do professor João Batista de Albuquerque. Completou o curso primário na escola do professor Francisco Ribeiro da Costa, mestre Chico, em 1878.

Em 1881, aos 16 anos, conclui o curso de professor no Liceu Cuiabano e foi nomeado para o cargo. Em 26 de novembro de 1881 sentou praça como soldado raso, sendo destacado para o 3° Regimento de Artilharia a cavalo, no quartel do antigo acampamento Couto Magalhães, em Cuiabá.

Em 31 de dezembro de 1881, iniciou seus estudos na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Em 1884 começou o seu curso superior na mesma escola militar.


FONTE: Esther de Viveiros, Rondon conta sua vida, Cooperativa Cultural dos Esperantistas, Rio, 1969, páginas 25 e 43.

sábado, 5 de janeiro de 2019

A morte trágica de Adrien Taunay


Auto retrato de Adrien e gravura de uma moita de buritis, vegetação típica
do cerrado matogrossense.

Desenhista francês, componente da comissão Langsdorff, que à época explorou Mato Grosso e Amazônia, tentou atravessar o rio Guaporé a nado e morreu afogado em 5 de janeiro de 1828. Taunay, em mais de 150 desenhos e pinturas, durante a viagem, retratou toda a região, incluindo o cerrado de Mato Grosso.

Sobre ele depõe o pesquisador Carlos Alberto de Moura:

Adrien, nascido na França em 1803, era filho do pintor Nicolau Antonio Taunay, que veio com a família para o Rio de Janeiro em 1811, como membro da Missão Artística Francesa.

Espírito aventureiro, Adrien, com apenas 16 anos, em 1818, engajou-se como desenhista na Expedição de Freycinet, que na fragata Urânia empreendia uma viagem de circunavegação. Esteve nas ilhas da Oceania e no naufrágio da Urânia nas ilhas Malvinas em fevereiro de 1820. Quatro meses depois os náufragos foram resgatados, e em junho Adrien estava de volta ao Rio de Janeiro.

Seguiu com a Expedição Langsdorff pela rota das monções, desenhando paisagens, animais e plantas.

Prosseguiu nos seus trabalhos em Cuiabá e na Chapada dos Guimarães. Em agosto de 1827, Adrien partiu com Riedel para o Diamantino, enquanto Hércules Florence e Rubtsov seguiram para Vila Bela. Dali deveriam seguir pelos rios Guaporé, Mamoré e Madeira até o Amazonas.

O outro grupo, formado por Langsdorff, Florence e Rubtsov seguiu para o Diamantino de onde desceria pelos rios Arinos, Juruena e Tapajós.

O ponto de encontro para os dois grupos seria a Barra do rio Negro, no Alto Amazonas.

A 18 de dezembro de 1827 Adrien e Riedel chegaram a Vila Bela. Ali deveriam ficar três ou quatro meses. A 30 de dezembro partiram para Casalvasco, situado a uns 80 quilômetros, próximo à fronteira com a Bolívia. Depois visitaram São Luis e Salinas e voltaram a Casalvasco.

Dali partiram de volta a Vila Bela. Mas Adrien Taunay, impaciente com a lenta marcha da comitiva, resolveu adiantar-se e perdeu-se em meio a grande temporal.

Conseguindo finalmente chegar à margem do Guaporé, atirou-se afoitamente às águas, confiando na sua perícia de nadador, e pereceu tragicamente no dia 5 de janeiro de 1828.

Adrien foi sepultado na igreja de Santo Antonio, junto ao porto de Vila Bela.

FONTE: Carlos Francisco de Moura, A Expedição Langsdorff em Mato Grosso, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 1984, página 21.

Presidente Roosevelt em Cáceres

 


Tendo deixado Corumbá na noite de Natal chega a Cáceres em 5 de janeiro de 1913, a expedição Roosevelt-Rondon, que se destina à Amazônia Matogrossense. A chegada e permanência da comitiva na cidade, ganhou uma página no diário do ex-presidente norte-americano:

Na tarde do dia 5 alcançamos a linda e antiquada cidadezinha de São Luiz de Cáceres, nos confins da região habitada do Estado de Mato Grosso, e última cidade que veríamos antes de alcançarmos as povoações do Amazonas. Nas suas proximidades passamos por uma lavadeira preta e seminua nas margens do rio. Os homens, com a banda de música local, estavam agrupados no começo da ladeira íngreme da rua principal, onde o vapor atracou. Grupos de senhoras e moças claras e trigueiras olhavam-nos do mirante, seus vestidos e corpetes eram vermelhos, azuis, verdes, de todas as cores...Sigg, que nos havia precedido com a maior parte da bagagem, veio ao nosso encontro com uma lancha de motor improvisada - uma espécie de chalana a que ele adaptou o nosso motor "Evenrude"; estava proporcionando a diversos cidadãos da localidade delicioso passeio fluvial. As ruas da pequena cidade, desprovidas de calçamento, tinham passeios estreitos, de tijolos. As casas, de um só pavimento, eram brancas ou azuis, com telhas vermelhas e postigos de grades de madeira, de velho estilo colonial, copiado pelos cristãos e mouros de Portugal dos seus antepassados árabes.

Belos rostos, uns morenos, outros claros, olhavam das janelas; suas avós, em passadas gerações, deviam ter olhado também de janelas semelhantes em remotos dias coloniais. Mas, agora, mesmo ali, em Cáceres, o espírito do Brasil novo despertava; uma ótima escola oficial foi inaugurada e tivemos o prazer de conhecer o seu diretor, homem dedicado que realizava excelente trabalho, e era um dos muitos professores que, no decorrer desses últimos anos,vieram de São Paulo, centro do novo movimento educativo que muito tem feito em prol do Brasil.

O padre Zahm foi passar a noite com os irmãos franciscanos franceses, seus colegas de Ordem. Eu dormi na residência confortável do Tte. Lira: uma casa tropical com paredes espessas, grandes portas e vasto alpendre com grades. O Tte. Lira seguiria conosco na expedição; era velho companheiro de excursão do Cel. Rondon. Visitamos uma ou duas lojas para fazer as últimas compras e à noite perambulamos pelas ruas escuras e jardins da praça; as senhoras e moças se aglomeravam nas portas da rua ou nas janelas, e de espaço em espaço um instrumento de cordas ressoava na escuridão. De Cáceres para diante estávamos entrando no cenário de atuação do Cel. Rondon. Durante dezoito anos ele se dedicara à exploração e instalação das linhas telegráficas através da parte este e nordeste do grande estado florestal, o estado das selvas,ou do "mato grosso" ou, como diriam os australianos, o "bosque".



FONTE: Theodore Roosevelt, Nas selvas do Brasil, Editora de Universidade de São Paulo, São Paulo, 1976, página 94. 
FOTO: Roosevelt e Rondon, acervo Theodore Roosevelt.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Os 100 anos de Cuiabá




Chegando a Cuiabá em 30 de janeiro de 1817, a missão Langsdorff, durante o tempo em que permaneceu na cidade, aproveitou para conhecê-la. O relatório de Hércules Florence, desenhista e escriba da comitiva, é o retrato mais apurado que se tem da Cuiabá de 200 anos atrás: 

A cidade de Cuiabá é cercada de colinas que com ex­ceção da parte ocidental limitam-lhe o horizonte. O plano em que assenta é inclinado até à base dos outeiros do lado meridional, onde corre um riacho chamado Prainha que em direção quase reta vai para oeste e, separando a cidade de um de seus arrabaldes, atravessa uma planície de quarto de légua, com curso paralelo ao caminho do porto, até cair no rio Cuiabá. No tempo seco fica todo cortado e chega a desaparecer.

As ruas que de este vão para oeste têm pequeno declive de subida e descida, mas as que lhe são perpendiculares, de sul a norte, o têm mais sensível, bem que em geral suave. Ao sair da cidade para o lado norte, eleva-se o terreno ainda por espaço de 300 a 400 passos, formando um campo chamado de Boa Morte, por aí existir uma igreja desse nome.A cidade pode ter meio quarto de légua de poente a nascente e dois terços dessa distância de norte a sul. Não há senão 18 ou 20 casas de sobrado, esse mesmo pequeno: todas as mais são térreas. Cada casa tem nos fundos um jardim plantado de laranjeiras, limoeiros, goiabeiras, cajueiros e tamarindeiros, árvore cuja folhagem densa e escura
forma no meio das outras agradável contraste, concorrendo todas elas para darem à povoação aspecto risonho e pitoresco.

Rebocam-se por fora as habitações com tabatinga, que lhes dá extrema alvura: entretanto muitas há, principalmente nos arredores, que conservam a cor sombria da taipa de que são feitas, bem como todos os muros e cercados. Não há uma só casa que tenha chaminé: a cozinha faz-se no jardim debaixo de um telheiro.

O edifício em que estão o presidente e a intendência chama-se palácio: é térreo; as janelas, únicas na cidade, têm caixilhos com vidros. Há uma cadeia, em cujo sobrado trabalha a câmara municipal; um quartel para a tropa, uma casa da moeda e quatro igrejas: a de Bom Jesus que é a catedral, sem nada exteriormente que a recomende, a de Nossa Senhora do Bom Despacho, a de Nosso Senhor dos Passos, e a da Boa Morte, além de uma capela consagrada a Nossa Senhora do Rosário. Outra capela fica no Hospital da Misericórdia, edifício não concluído e onde mora o bispo. Para os morféticos há uma casa, situada a meia légua sul da cidade. A meio quarto este vê-se perto do porto uma grande
construção que havia sido começada para quartel. Por enquanto não é senão
um corpo de guarda.

Na casa da moeda bate-se somente o cobre que é mandado do Rio de Janeiro e ao qual se dá valor duplo do que tem no resto do Império. Há também uma fundição para pôr em barras o ouro. O único passeio que tem a cidade é o caminho de meio quarto de légua de extensão que vai ter ao porto. Aí só se vêem 15 ou 20 casas, algumas canoas, guanás, caburés, negros e mulatos.
Quando chove, as crianças entretêm-se em procurar ouro no meio das ruas, porque nos regos d’água que se formam descobrem sempre algumas palhetas. Por toda a parte anda-se aqui por cima dele; nas ruas, nas casas que não são ladrilhadas, nos jardins, não há polegada de terra que deixe de o conter. O pescador na sua choupana pisa o precioso metal; metade de um dia, porém, de trabalho em buscar arrancá-lo do solo lhe traz menos vantagem que a pesca de um único pacu. É contudo o objeto de extração que os habitantes conseguem. 

Os diamantes se acham no Quilombo, distante 14 léguas e daí a 30 no distrito Diamantino. Estes dois artigos, ouro e diamantes, constituem a riqueza da província; nada mais se exporta a não ser diminuta porção de açúcar e de tecidos de algodão, com destino ao Pará.

Não tratam da agricultura nem da criação de animais senão para Não tratam da agricultura nem da criação de animais senão para acudir às necessidades da alimentação. Por toda a parte cercados de desertos, dos quais o menos vasto tem 100 léguas de largo, não poderiam os cultivadores exportar o sobressalente de suas colheitas ou os resultados de sua indústria sem gastos que elevariam o preço dos produtos de medo a não suportarem a mais ligeira concorrência. As produções do país são a cana, da qual se extrai o melhor açúcar do Império; o fumo que é excelente; o algodão, o café, feijão, milho, mandioca e tamarindo que aí se acha mais abundante que em qualquer outra parte e do qual se fazuma massa para exportação.

Limita-se a indústria à exploração de minas e ao fabrico de peças de algodão grosso de que se veste a gente pobre. Faz-se aguardente de cana de superior qualidade. É a principal bebida do país, bem que esteja também em uso o vinho, cuja procura é limitada em razão do alto preço. Cada garrafa custa com efeito de 1$200 a 1$800, o que faz com que sejam motivos de luxo e ostentação franqueá-las aos convivas por ocasião de festas de casamento
ou batizados. Assisti às bodas de um homem apatacado, nas quais se beberam
200 garrafas de vinho, o que representa uma despesa de mais de 200$000
(1.250 francos). Quase igual quantidade consumiu-se num batizado. Os
casos de embriaguez não são raros. 

Cria-se muito gado vacum que por toda a parte encontra excelentes pastos; também a carne de vaca em Cuiabá é suculenta; há muitos porcos cuja banha serve para o preparo da comida; galinhas em abundância e tão baratas que por 400 réis (50 soldos) pode-se as ter à mesa do almoço, jantar e ceia; carneiros e cabras, estes em menor quantidade, etc. Não há falta de cavalos; a qualidade, porém, é inferior. Parte deles vem dos guaicurus. As bestas são mandadas
de São Paulo. Em viagem, é de uso servirem os bois mansos de animal de carga.

Não se acha ouro em porção que dê algum lucro, senão nos arredores da cidade ou a algumas léguas de distância. Se, porém, se empregassem os meios de que usa a companhia inglesa em Minas Gerais, cavar-se-ia melhor a terra, achando-se ainda tesouros imensos. Hoje o dia de trabalho de um preto não rende mais de 300 a 400 réis, salvo o caso de algum achado feliz.

Cuiabá deve sua fundação à grande quantidade de ouro que deu o terreno em que assenta, cujas escavações e buracos atestam hoje quanto foi revolvido. Nos primeiros tempos dos descobrimentos dos paulistas encontraram-se folhetas que pesavam até uma arroba, único incentivo que chamou uns sertanistas ávidos de riquezas e os impeliu em solidões desconhecidas, levando tão-somente espingardas, pólvora, bala e sal. Embarcaram em Porto Feliz e seguiram a rede de rios que lhes pôde proporcionar dilatadíssima viagem. Chegados ao ponto onde hoje é Cuiabá, a um caçador depararam-se grandes pedaços de ouro no alto da colina em que se ergue presentemente a igreja de Nossa Senhora do Rosário. Parou então a caravana. Meteram as canoas no ribeirão Prainha, que nesse tempo era navegável e hoje não por terem sido desviadas as águas, levaram quanto puderam do encantado tesouro e voltaram
para São Paulo, contando maravilhas.

Reuniram-se logo multidões de aventureiros que formaram novas expedições, ficando muitos deles no país novamente descoberto em companhia das mulheres indígenas que encontravam ou das que haviam levado consigo. O número foi crescendo e com ele aparecendo dissensões e lutas causadas pela avidez em tirar ouro. Então cuidaram de constituir uma espécie de governo e para legalizá-lo mandaram pedir chefe em São Paulo. A colônia, debaixo do nome de Cuiabá, nome dos índios que aí habitavam, fez rápidos progressos, aumentando continuadamente com a chegada de novas bandeiras, que, não se satisfazendo mais com o que encontravam, seguiram para diante e foram descobrir, a 100 léguas para O., Mato Grosso, donde provém a denominação de toda a província. Aqueles intrépidos sertanistas teriam sem dúvida ido até ao oceano Pacífico, se os espanhóis não ocupassem as costas. Suas ousadas explorações chegaram com efeito a dar cuidados à corte de Madri que se queixou à de Lisboa, mandando reclamações a tal respeito.

O modo de extrair ouro é o seguinte: fazem-se grandes escavações e transporta-se a terra, à medida que se a vai tirando, para uma área preparada à beira de um rio, córrego ou lagoa em paralelogramo de terra batida e conseguintemente dura, cujos lados são fechados por tábuas, exceto o que encosta à água. O plano é inclinado e o todo se chama uma canoa. Deposita-se a terra que se quer lavar na parte superior e sobre ela lança trabalhador de contínuo água para que facilmente corra a porção que for mais destacada e leve. Em seguida, depois de repetida esta operação, põe ele certa quantidade na beira de uma espécie de alguidar de pau chamado bateia e com um pouco d’água imprime ao todo um movimento circular, de modo que de cada vez o monte de terra seja lambido pela água. Se houver ouro, as menores partículas depositam-se logo no fundo.

Costumes dos Habitantes de Cuiabá

Descrever os costumes gerais da população de Cuiabá, é decerto descrever os de todos os brasileiros; entretanto aqui várias circunstâncias locais concorreram para dar hábitos peculiares à terra, imprimindo-lhes cunho característico e, embora pernicioso, de certo modo original.

A população não passa de 6.000 habitantes, a de toda a província de 30.000, sem contar os índios mansos e muito menos os bravios. Entretanto pelo conhecimento mais ou menos exato dos aldeamentos de uns e hordas dos outros, creio que seu número não chegará a 6 ou 7 mil almas, de modo que numa zona muito maior que toda a França não há mais de 37.000 habitantes.
Tão pouca população provém de que não há 125 anos que Cuiabá foi descoberta e todos quantos procuraram estas terras atraídos só pela posse do ouro, uma vez conseguido esse fim, trataram de se ir embora para gozarem das riquezas ganhas em país mais civilizado. Os que se deixavam ficar, ricos em pouco tempo e no meio de solidões, só cuidaram em satisfazer os sentidos. Entregaram-se a grosseiros prazeres e viveram com amásias, não se lhes dando de formar famílias e educar os filhos, quando os tinham, nos sãos princípios da religião e da moral. As mesmas causas ainda hoje persistem em Cuiabá, embora se manifeste salutar tendência para a modificação. Os casamentos ainda são
pouco freqüentes. Geralmente só se casam os homens já maduros que buscam
uma companheira para os tempos da velhice. Os mais vivem amancebados e nem se limitam a isso, entretendo intrigas amorosas com pessoas casadas e solteiras.

As mulheres de classe média e sobretudo inferior, são muito livres nas suas conversas, modos e costumes. Além do contínuo exemplo da licença geral e quase desculpada, recebem pernicioso influxo do contato dos escravos, negros
e negras, cujas paixões violentas não vêem peias à sua expansão. A fidelidade conjugal é, muitas vezes, falseada. Apesar de temerem os maridos e considerá-los como amos e senhores, sabem perfeitamente enganá-los. Não faz muito que elas começam a aparecer à mesa de jantar ao lado dos parentes e maridos. Entretanto em todas as casas do sertão, onde recebi hospitalidade, nenhuma delas se apresentou, ficando sempre no fundo dos aposentos, a menos que não seja a pessoa já muito familiar. Conheci, contudo, uma senhora muito bem falante, civilizada e espirituosa. Três outras nas mesmas condições tinham, porém, já sua idade e, apesar do muito que haviam dado que falar em sua mocidade, passavam por tipos de virtude.

As moças filhas de pais pobres nem sequer pensam em casamento. Não lhes passa pela cabeça a possibilidade de arranjarem marido sem o engodo do dote e, como ignoram os meios de uma mulher poder viver de trabalho honesto
e perseverante, são facilmente arrastadas à vida licenciosa, na qual, justiça se lhes faça, apesar de pertencerem a todos, nunca mostram a ganância e as baixezas das mulheres públicas da Europa.

Quem exercita em Cuiabá ofícios e artes são quase todos mulatos. Conheci um padre de cor parda, muito eloquente no púlpito e na conversação; outro, quase negro, era um desses raros talentos modestos, cuja ambição única é instruir-se.

O clima da cidade é muito quente, sua latitude 15°36’S. O rio é farto de pescado, sobretudo de junho até fins de dezembro. Então é o alimento principal do povo. Pescam- se muitos pacus, dourados, piracanjubas, piaus, piracachiaras, jiripocas, palmitos, cabeçudos, corimbatás, peixe-rei, etc. É tanto o peixe que os bois, cavalos e pretos ou guanás vão curvados ao seu peso vendê-los pela cidade. De todos é o pacu o mais gordo e mais abundante, bem que não seja o mais delicado; sabe, contudo, bem ao paladar e a quantidade é tal que fornece a combustível com que se iluminam todas as casas. Acontece
até que os pescadores atiram fora grandes montes, quando não querem nem mesmo dar-se ao trabalho de extraírem o azeite.

FONTE: Hercules Florence, Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas, de 1825 a 1829, Edições Melhoramentos, São Paulo, 1941, página.
FOTO: Desenho de Hercules Florence, integrante da Expedição Langsdorff.

Força brasileira deixa Uberaba

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