O governo do marechal Solano Lopes aprisiona em 12 de novembro de
1864, o navio brasileiro Marquês de Olinda, que transportava para Cuiabá o
governador nomeado da província de Mato Grosso, coronel Frederico Carneiro de
Campos. A agressão foi a senha para a eclosão da guerra do Brasil, Argentina e
Uruguai contra a república guarani, que duraria cinco anos, com a derrota do
país vizinho. O episódio é narrado pelo historiador Acyr Vaz Guimarães:
Em 12 de novembro de 1864, subia barco brasileiro, pacificamente, as mansas águas do rio Paraguai, rumo à província de Mato Grosso, levando seu futuro presidente – o coronel Frederico Carneiro de Campos, que substituiria o general Albino de Carvalho, quando recebe, inesperadamente, depois de passadas as águas de Assunção, já distante da capital, um tiro de canhão de navio paraguaio, avisando-o de que fizesse alto! O navio – o Marquês de Olinda, da companhia de navegação que servia à linha de Mato Grosso, foi apresado por ordem do presidente López. Foi o primeiro tiro da guerra!¹
O repúdio brasileiro ao ato do governo do país vizinho foi traduzido no editorial de um jornal da corte:
Um atentado selvagem, no intuito de se fazer ao Império um ofensa, acaba de ser consumado pelo governo da república do Paraguai.
Confirma-se a notícia do arrestamento do vapor Marquez de Olinda nas águas de Assunção e do aprisionamento do presidente nomeado para a província de Mato Grosso, o sr. deputado Frederico Carneiro de Campos.
Ainda bem! Por mais selvagem que seja esse ataque imprevisto e covarde, por mais ignominioso que seja esse atentado de pirataria contra um vapor mercante, que sulca as águas do Paraguai na fé de tratados solenes, por mais injustificável que seja essa ofensa ao direito das gentes e à soberania de uma nação, a quem deve o Paraguai a sua independência e nacionalidade, folgamos de que a ocasião se ofereça para que o governo imperial, por um ato de virilidade, restaure no Rio da Prata o prestígio das armas do Império, a honra nacional ali constantemente ultrajada.
A nova situação criada pela agressão inesperada e brutal por parte de um governo que não tem da jurisprudência internacional e da civilização moderna, senão noções imperfeitas e notícias remotas, impõe ao país e ao governo árduos sacrifícios, pesados deveres.
No estado a que chegaram as coisas, um só caminho se oferece ao governo para desafrontar a dignidade do império de tamanha injúria e esse caminho é o da Assunção.
É necessário que dentro de pouco tempo todo o país saiba, ou que se nos deram satisfações cabais, solenes e garantias de paz e segurança futura, ou que, no caso contrário, a capital dessa república foi arrasada pela nossa esquadra.
Não há meio termo. Nada tem que fazer a diplomacia com um governo de ordem semelhante. Não temos que debater um pleito com uma nação civilizada, mas simplesmente limpar a estrada fluvial de Mato Grosso de alguns salteadores, emboscados nas florestas.
A ocasião é azada. Não a buscamos nem a desejáramos. Mas somos agredidos e temos o dever de reagir.
Energia, atividade, firmeza e resolução é o que pedimos e é o que esperamos do governo. Não há divergências políticas, nem questões internas relativas à administração que possam prevalecer em face de tais emergências. E assim como nós não duvidamos do patriotismo do governo, não duvida o governo do patriotismo dos brasileiros.
De que pode o governo carecer para abrir uma campanha gloriosa, elevando o nome e a dignidade do Brasil à altura, que deve sempre conservar?
De dinheiro? Tê-lo-há. De soldados? Te-los-há também.
Se a França, segundo o dito de um estadista célebre, era bastante rica para pagar a sua glória, o Brasil é também bastante rico para resgatar a sua honra e salvar os destinos do Império e o crédito de seu nome de um abismo de vergonha.
À hora em que escrevemos deve estar resolvida a questão oriental. Tomado o Cerro Largo, tomado o Salto, tomado Paisandu, como a esta hora o deverá estar, qualquer que seja a posição ulterior das nossas armas no solo da República Oriental, é mais que provável que um governo menos bárbaro tenha substituído ao atual governo de Montevideo, e que a capital da república seja conservada em poder do general Flores.
Do governo argentino não temos que esperar traição ou fraqueza, enquanto o espírito profundamente nacional e profundamente liberal dessa república, seja alentado por um governo ilustrado e americano como o do general Mitre e por uma imprensa ardente e patriótica como a de Buenos Aires.
O que convém é que o governo assuma neste negócio uma atitude digna e enérgica. Para auxiliá-lo na árdua missão que os acontecimentos lhe incumbem, pode contar com o apoio de todos os brasileiros. Não cremos que haja um só cidadão, que em circunstâncias tais, lhe recuse o seu concurso desiteressado.
Na hora do sacrifício como não há divergências nem repugnâncias que creem obstáculos à marcha livre e desembaraçada do governo.
E quando sucessos imprevistos e deploráveis colocam em suas mãos a honra e o futuro da nação, fora fazer injúria ao caracter brasileiro supor que alguém se mostre indiferente à sorte dos nossos bravos concidadãos, que a esta hora derramam nobremente o seu sangue e arriscam a vida em terra estrangeira para defender a segurança e a dignidade do Império.
Pela nossa parte, confiamos no patriotismo do governo e esperamos que ele se mostrará digno depositário do penhor valioso que a nação lhe entrega.
Não há que duvidar do resultado da luta. Por esse lado pode o espírito público tranquilizar-se, porque em última análise o triunfo nos caberá. Cumpre, porém, que todos os cidadãos, unidos em um só pensamento, prestem ao governo todo o auxílio e coadjuvação.²
Tendo permanecido prisioneiro do inimigo, o governador nomeado de Mato Grosso, Frederico de Campos, vítima de tortura e maus tratos, faleceu, no início da guerra, no presídio de Paso Pocu.
FONTE: ¹Acyr Guimarães, Mato Grosso do
Sul, sua evolução histórica, Editora UCDB, Campo Grande, 1999,
página 134. ²Diário do Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1864.
IMAGEM:vapor Marquez de Olinda, acervo Marinha do Brasil.
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