Positivista convicto e ativista do movimento contra a Monarquia, o
alferes matogrossense Cândido Mariano da Silva Rondon, participa no Rio em 15
de novembro de 1889, da proclamação da República, cujo papel histórico ele
relata em seu diário:
Estava cheio o quartel. Chegamos na ocasião em que era arrombada a Arrecadação. Pedi logo um dos revólveres nagan que estavam sendo distribuídos – arma que conservo, com a que me ofereceu Roosevelt, verdadeiras peças de museu.
Benjamim Constant chegou às 2 da madrugada. Conferenciavam os oficiais, entre os quais o Cel. Sólon. Ficou resolvido que se indagasse se a Marinha permitiria a saída da ‘Brigada Estratégica’ e foi, nesse sentido, redigido um ofício ao Alte. Wandenkolk.
Escolheu Benjamin Constant para portadores de tão importante mensagem os dois discípulos em quem mais confiava – os discípulos amados – Fragoso e eu. Seríamos a ligação entre a ‘Brigada Estratégica’ rebelada e os oficiais revoltados da Armada.
As 4 horas partimos em cavalos escolhidos para uma galopada de São Cristóvão ao Clube, no largo do Rossio.
O tropel dos cavalos cortava o silêncio da madrugada, mas prosseguíamos sem obstáculos. Cauteloso, propus, aos sairmos da rua Gen. Pedra para defrontar o Quartel General, que nos mantivéssemos cosidos com a grade do jardim, para não sermos percebidos.
Estava o Quartel General todo iluminado, como que para advertir que o governo vigiava.
Continuamos a cautelosa marcha, quase que sopitando o pisar dos cavalos, para que não ressoasse na calçada, até desembocar na Câmara Municipal.
Ao fazer a curva para ganhar a rua da Constituição o meu cavalo prancheou – mas o vaqueiro mimoseano galopava firme na rédea e o animal que rodara, conseguiu firmar-se.
Seguíamos insensíveis a tudo o que não fosse o pensamento de chegar o mais depressa possível ao largo do Rossio, ao Clube Naval e, quando apeamos estavam nossos cavalos brancos de espuma.
Levávamos a senha. Batemos, uma portinha que nos fora indicada, três pancadas espaçadas. Depois de alguns minutos percebemos que alguém descia. Ouvimos, de dentro, as palavras da senha a que respondemos, repetindo por três vezes a contra-senha, segundo as instruções recebidas. Abriu-se então uma fenda na portinha, por onde introduzimos o ofício. Daí a pouco voltou quem recebera de nós o documento e, repetidas as mesmas formalidades, foi-nos entregue pela fenda o ofício resposta.
O tempo de montar de novo e lá partimos para o convento de Sto. Antonio, onde estava aquartelado o 7º Batalhão de Infantaria, a fim de informar a situação o cap. Ferraz. Já encontramos todos a postos. Depois de lhe falar e de lhe transmitir a mensagem de que éramos portadores, tocamos para São Cristóvão a galope, sem acidente.
O dia despertava. Súbito, tingiu-se o oriente sob uma chuva de ouro, pálida a princípio e depois cada vez mais rubra... e sobre essa cortina surgiria em breve o sol a iluminar um novo dia, a iluminar pela primeira vez a República brasileira.
FONTE: Esther de Viveiros, Rondon conta
sua vida, Cooperativa Cultural dos Esperantistas, Rio, 1969,
página 53.
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